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Furto e Roubo – Doutrinas e legislação

1. Introdução:

Este trabalho tratará sobre dois crimes contra o patrimônio: o Furto e o Roubo. Dois crimes que visam obter a posse de algo alheio de forma ilícita. Trabalhará também no que tange em explicar cada um deles, com suas particularidades, além de diferenciá-los, fazendo um comparativo sobre os dois.

2. Do Furto:

CP, art. 155 – Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel.

O crime de furto, neste caso considerado como furto simples, conforme diz o caput do artigo 155 do Código Penal, é o crime que consiste em retirar algum bem móvel de outra pessoa de forma ilícita, para benefício seu ou de terceiros.

Para que haja o furto, normalmente, quando há a subtração, o agente faz seu ato sem que a vítima perceba. Há também as situações que a vítima percebe, porém, para que não seja confundido com o roubo, não há nenhuma forma de violência ou ameaça para a vítima, apenas a transferência de posse pelo agente.

2.1. Interpretação do Furto

Ao interpretar o artigo supracitado por partes, temos a palavra subtrair como núcleo do tipo deste crime, que pode ser verificado em duas hipóteses:

à A primeira, quando o agente, sem nenhuma autorização, apodera-se da coisa alheia e a leva embora, causando prejuízo econômico à vítima, que fica sem o bem que lhe pertence. Para este tipo de crime, podemos citar como exemplo quando alguém se apodera de produtos na prateleira de um supermercado, esconde-os sob a blusa e sai do local sem efetuar o devido pagamento no caixa.

à A segunda forma necessita de uma maior atenção para que não seja confundida com o crime de apropriação indébita. O que diferencia os dois crimes é a autorização do proprietário de que o agente se ausente do local transportando o bem. Então, como exemplo deste crime, podemos citar um cliente pedindo para ver uma joia dentro de uma loja e, ao recebê-la, sai correndo da loja.

Já no crime de apropriação indébita, temos a autorização de quem tem a posse do bem de que o agente saia do local com o bem em questão. Podemos citar como exemplo alguém alugando um DVD em uma locadora e, na hora de devolver, o agente fica não o devolve.

Como coisa móvel, podemos entender como coisa que pode ser carregada e tirada da esfera de vigilância da vítima. Com esta explicação, fica claro que bens imóveis não podem ser furtados, ou seja, levados para outro lugar. Então quando o Código Civil, por ficção, equipara aviões e embarcações a bens imóveis (art. 1.473, VI e VII, CC) para fins de registro de hipoteca, não tira a possibilidade de serem objeto de furto, pois continuam sendo coisas móveis.

Há coisas que são curiosas quanto à possibilidade de serem objetos de furto, como partes que compõem um imóvel, já que podem ser separadas dele e serem transportadas, como antena, telhas já instaladas, entre outras; ou animais domésticos ou domesticados, quando tiverem dono; ou ainda, terra, areia ou até mesmo árvores quando objetos de extração clandestina em imóvel alheio, desde que não constitua crime contra o meio ambiente.

A coisa alheia é o elemento normativo do furto, que pressupõe que se verifique se o bem não pertencia a quem o subtraiu.

Para que a coisa seja considerada alheia, é necessário que ela tenha dono, então, se ela não o tiver, não pode ser considerada objeto de furto. São considerados, para estes efeitos, as coisas de ninguém (res nullius) ou as coisas abandonadas (res derelictae). Neste último caso, o Código Civil prevê que quem as encontra, possui a posse legítima da coisa. Então, se um tênis foi abandonado (neste momento, não será objeto de furto), depois, encontrado por alguém (neste momento, pode ser considerado objeto de furto), mesmo o antigo dono pode ser agente do crime de furto, por tê-lo abandonado anteriormente e, com isto, perdido a posse legítima do tênis.

As coisas perdidas (res desperdicta) possuem dono, e, neste caso, o legislador tipificou a conduta do agente que se apropria destes bens como apropriação de coisa achada (CP, art. 169, parágrafo único, inc. II).

Dentre as coisas que podem ser objeto de furto, encontram-se as formas de energia que tenham valor econômico, como especifica o § 3º do art. 155 do CP. Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico.” Portanto, energia elétrica, água encanada, sêmen de animal, sinal de TV a cabo podem ser objetos do crime de furto.

2.2. Formas Específicas do Furto

2.2.1. Furto Noturno

Art. 155, § 1º – A pena aumenta-se de um terço, se o crime é praticado durante o repouso noturno.

Neste instituto, a expressão “repouso noturno” não trata da ausência de luz solar, e sim da região em questão, onde ocorrer o crime, sobre as o período de baixa vigilância desta comunidade. Deve-se fazer uma análise de acordo com as características da região rural ou urbana) para se constatar que se trata de período de repouso noturno ou não. Por exemplo, há regiões em que às 6 da noite todos já se recolheram, e outras, a agitação ainda existe.

Por se tratar de um agravo de pena, não existe a possibilidade de se utilizar analogia para abranger furtos cometidos contra pessoas que estão repousando em períodos diferentes do explicado acima, como manhã ou tarde, somente se, após um estudo aprofundado das características da região, o período em que foi cometido o furto for considerado como período de repouso noturno.

Este agravo de pena é aplicado aos crimes ocorridos em residências (casas, apartamentos, quartos de hotel, trailers, etc.) ou em seus compartimentos externos (quintais, varandas, garagens, etc.).

A natureza jurídica deste instituto é de aumento de pena, somente sendo aplicada ao furto simples, não sendo aplicável às formas qualificadas do furto (§§ 4º e 5º) porque estão previstas em outros dispositivos com pena em abstrato maior do que o presente instituto.

Existe divergência doutrinária e jurisprudencial para hipóteses de furto noturno em casa que não haja moradores repousando no momento do crime (casas desabitadas, de veraneio, na ausência dos donos, em viagem dos donos, etc.). Para alguns, a expressão “repouso noturno” se refere o sono dos moradores, então, em sua ausência, não há a possibilidade de incidir este aumento de pena. Para outros, como o STJ, essa expressão se refere ao repouso da coletividade, causando, assim, o aumento da pena.  Citando um de seus julgados, temos o posicionamento do STJ: “Para o reconhecimento da agravante do repouso noturno (parag. do art. 155, CP), não tem qualquer importância o fato da casa, onde ocorreu o furto, estar habitada e seu morador dormindo” (STJ — Resp 75.011/SP — Rel. Min. Anselmo Santiago — DJ 03.11.1997, p. 56.379).

Outra hipótese que é amplamente dominante é a de furto ocorrido na rua, independente do horário, como, por exemplo, o de veículos estacionados em via pública durante a madrugada.

Mais uma hipótese que o STJ mudou seu entendimento com o tempo foi a de furto em estabelecimento comercial. No passado, entendia-se que este não era local apropriado para o repouso de pessoas, e que se valia da ausência de pessoas para que se tentasse aplicar este instituto. Atualmente, entretanto, os julgados do STJ apontam o contrário, em razão da menor vigilância decorrente do repouso da coletividade. É lógico que não se aplica aos estabelecimentos abertos, em que haja pessoas trabalhando.

Resumindo, o furto noturno não é aplicado nas seguintes hipóteses:

à se o crime qualificado;

à se ocorre em via pública; e

à se ocorre em estabelecimento aberto ou em casa onde esteja ocorrendo uma festa.

2.2.2. Furto Privilegiado

Art. 155, § 2º – Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.

Antes de tratar deste instituto propriamente dito, devemos ter em mente que quando mencionamos a palavra “privilegiado” junto de algum crime, temos o abrandamento da pena, visto que o agente possui características que justifiquem este posicionamento.

Retomando o instituto, para que ele seja aplicável, o agente precisa preencher dois requisitos: ser primário e o bem precisa ser de pequeno valor.

É considerada primária toda e qualquer pessoa que não seja considerada reincidente pelo juiz na sentença. Desta forma, as pessoas condenadas anteriormente que já cumpriram pena há mais de cinco anos antes de cometer este novo delito (furto) são consideradas primárias, (art. 64, I, CP), fazendo jus ao benefício.

A condição da primariedade não é estabelecida no CP, só apresentando em seu art. 63 a definição de reincidência; então, em contrario sensu podemos definir como primária toda e qualquer pessoa que não seja considerada reincidente pelo juiz na sentença.

Quanto ao pequeno valor da coisa subtraída, foi-se utilizado um critério objetivo, caracterizando como pequeno valor aquele que não ultrapasse um salário mínimo vigente no momento do crime. Sendo assim, para que seja aplicado o benefício, não importa o patrimônio da vítima.

No caso de furto de vários bens ou de crime continuado, leva-se em conta o valor dos bens em sua somatória. Se não houver a consumação (tentativa), o valor será o dos bens pretendidos.

O valor da coisa será avaliado por peritos da polícia civil, devendo, a avaliação, ser ordenada pelo Delegado de Polícia sempre que for instaurado inquérito policial para apurar crime de furto.

De acordo com o texto legal que normatiza este instituto, não importa o prejuízo da vítima, e sim o valor avaliado, ou seja, não importa se a vítima obteve novamente a posse de seu bem, o que importa é o valor que foi furtado. Na hipótese do furto de um carro (que possui valor mais elevado que um salário mínimo), o agente não terá direito ao privilégio, independente de o dono reaver o veículo. No caso de arrependimento posterior do agente, devolvendo o bem ao dono, ele terá a redução de um a dois terços de sua pena, porém será nos termos do art. 16 do CP, e não pelo art. 155, § 2º do CP.

Tendo em vista que a pena do crime de furto é de reclusão de um a quatro anos e multa, as consequências do reconhecimento do privilégio para este crime é a substituição da pena de reclusão por detenção, a diminuição da pena de um a dois terços, e a aplicação somente da multa. As duas primeiras hipóteses podem ser cumuladas por não serem incompatíveis.

Na aplicação da pena, o juiz deve verificar as características de cada caso concreto. Por exemplo, em um furto onde o agente preencha estes requisitos, porém possui maus antecedentes (característica que não exclui a possibilidade do privilégio), o juiz deverá aplicar, dentre as hipóteses legais, o menor benefício ao réu (como a substituição por detenção, sem redução no montante da pena, por exemplo).

Por mais que o dispositivo legal estabelecer que o juiz “pode” adotar uma destas providências, é pacífico que será obrigatória sua aplicação se o réu gozar deste direito, preenchendo os requisitos.

2.2.3. Furto Qualificado

O furto qualificado é aquele que foi realizado de modo especial, com situações mais específicas, complexas e elaboradas.

As modalidades do furto qualificado estão presentes nos §§ 4º e 5º do Código Penal.  Todas as qualificadoras do § 4º se referem ao meio de execução do furto, de modo que sejam compatíveis com o instituto da tentativa, bastando que o agente não consiga concretizar a ação.

No furto qualificado, a pena é diferente da pena do furto simples, sendo ela de reclusão, de dois a oito anos, e multa.

2.2.3.1. Rompimento ou Destruição de Obstáculo

Art. 155, § 4º – A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido:

I – com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa.

Essa qualificadora se mostra presente quando há alguma forma de destruição ou rompimento de algo que funcionaria como obstáculo para que haja o acesso à coisa pelo agente, como o arrombamento de trincos, furo em parede, quebra de vidro, etc. O obstáculo pode ser passivo, como uma corrente que prende uma bicicleta a um poste, ou ativo, como uma cerca eletrificada.

O rompimento é a danificação parcial do obstáculo, como no arrombamento do trinco de uma porta; a destruição é a danificação completa do obstáculo, como quebrar uma porta de vidro, que fica estilhaçada no chão.

Para que haja esta qualificadora é necessário que haja dano ao obstáculo. Deste modo, ela não é aplicável para  hipóteses em que não haja dano a ele, como no desparafusamento de uma porta, desligamento de interruptor de alarme sonoro, etc.

Com a aplicação desta qualificadora, o crime de dano fica absorvido. Não importa que o agente arrombe a porta para ter acesso à coisa a ser furtada ou que arrombe uma janela para sair do local do crime, o dano causado aos obstáculos são feitos com a intenção da consumação do furto, independente do dano ocorrer antes ou depois do furto. Só não haverá a aplicação desta qualificadora se o agente danificar algum possível obstáculo que não impeça o furto, como por exemplo uma casa completamente aberta, e ele quebrou as janelas. Neste caso, ele responderá por furto simples em concurso com o crime de dano.

Com esta interpretação, tem-se como furto qualificado por este dispositivo a quebra dos vidros de um carro com fim de assenhorar-se de bens que estejam em seu interior, como bolsa, toca-CD, peças de roupas, etc., porém é tratado como furto simples o fato da quebra de vidros para o assenhoramento do próprio veículo.

Deste modo, temos:

I — dirigindo-se o furto à apropriação do som localizado no interior de automóvel, e não do automóvel em si, considera-se este como obstáculo exterior àquele”;

“II — O rompimento de obstáculo externo — quebra-vento — ao objeto do furto caracteriza a circunstância qualificadora” (STJ — Resp 294.503/DF — Rel. Ministro Gilson Dipp — DJ 05.08.2002);

Furto. Rompimento de obstáculo. Destruição de vidro e de quebra-ventos. Objetos localizados no interior de automóvel. Incidência da qualificadora. Art. 155, § 4º, I, CP. A subtração de objetos situados no interior de veículo mediante rompimento de obstáculo (in casu, destruição do vidro do motorista e de dois quebra-ventos) qualifica o delito” (STJ — Resp 610.413/DF — Rel. Ministro Félix Fischer, DJ 20.09.2004);

pacífico é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a subtração de objetos situados no interior de veículo, mediante rompimento de obstáculo, no caso vertente o quebra-vento, qualifica o delito de furto” (STJ — HC 42.658/MG — Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJ 22.08.2005).

No mesmo sentido, recente julgado do STF:

“Configura o furto qualificado a violência contra coisa, considerada veículo, visando adentrar no recinto para retirada de bens que nele se encontravam” (HC 98.606/RS — Rel. Min. Marco Aurélio — DJe, p. 948, 28.05.2010).

Por outro lado, temos o entendimento da jurisprudência quanto à conduta de cortar a bolsa da vítima para, sorrateiramente, furtar a carteira ou outros valores de seu interior, de não se caracterizar a bolsa como obstáculo, pois ela é usada como transporte, e não para proteção dos valores.

Seguindo:

Corte de bolsa não tipifica o rompimento de obstáculo à subtração da coisa, pois tal utensílio se destina a carregar valores e objetos e não a defendê-los da ação de ladrões” (Tacrim-SP — Rel. Dante Busana — RT 582/333).

Neste caso, é possível o reconhecimento da qualificadora de destreza se a vítima não notar a conduta do agente.

Para que haja a tentativa deste crime basta que o agente inicie o ato de arrombamento, danificando, ainda que parcialmente, o obstáculo, mesmo que seja impedido antes de conseguir entrar no local para concretizar a subtração por circunstâncias alheias à sua vontade.

2.2.3.2. Abuso de Confiança

Art. 155, § 4º – A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido:

II – com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza.

Esta qualificadora possui apenas duas circunstâncias reconhecidas pela jurisprudência e pela doutrina, e elas devem ser muito bem analisadas no caso concreto, e elas são as seguintes: demonstração de especial confiança da vítima para o agente, e o aproveitamento de alguma facilidade decorrente da confiança da vítima para que o agente cometa o crime.

Na primeira circunstância, é necessário demonstrar a existência de uma grande confiança da vítima no agente, decorrente de forte amizade ou coleguismo no trabalho, parentesco, namoro, etc. Deste modo, foi estabelecido pelos juízes que não se reconheceria esta qualificadora quando for verificada a existência de uma confiança pequena, comum, que não seja suficiente para justificar o agravamento da pena. Com isso, estão fora de questão a confiança do patrão para com os empregados, exceto a situação em que haja comprovação de confiança diferenciada para algum empregado, a confiança para os empregados domésticos (embora exista um maior reconhecimento na qualificadora, no sentido do tempo de serviço do empregado, que justifica uma maior confiança entre ele e o patrão), entre outras.

Na segunda circunstância, o agente deve se aproveitar de alguma facilidade decorrente da relação de confiança para executar o furto. Como exemplo, podemos citar o furto de bens do interior de uma casa na visita de um amigo. Por outro lado, se este mesmo amigo se aproveitar de um momento em que os residentes estejam viajando, deixando a casa vazia, não será aplicada esta qualificadora, visto que é um crime que pode ser cometido por qualquer pessoa que tenha conhecimento que não há ninguém na casa.

Existe a possibilidade da tentativa deste crime, uma vez que ele pode ser impedido antes de ser consumado.

2.2.3.3. Emprego de Fraude

Art. 155, § 4º – A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido:

II – com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza.

Ao se falar neste qualificadora, cabe ressaltar a confusão feita entre o furto mediante fraude e o estelionato. Para ficar bem claro, estes são dois crimes parecidos, porém com aplicações diferentes. O primeiro, como todo furto, deve haver a posse vigiada e a subtração do bem pelo agente, e, como parte específica desta modalidade, este se utiliza de ardis para confundir a vítima e desviar sua atenção para efetuar o furto. No segundo também há o emprego de ardis para confundir a vítima, porém a vítima entrega a posse é desvigiada (existe autorização para que o agente deixe o local com o bem).

A grande complexidade em diferenciar os dois crimes é quando a vítima entrega o bem em decorrência da fraude. Podemos citar como exemplo do furto mediante fraude a identificação falsa do agente como sendo da polícia civil que aborda um comerciante alegando o recebimento de informação que uma nova remessa de produtos é falsificada. No trajeto, o falso policial simula um problema na viatura e pede à vítima que a empurre, arrancando com o veículo e deixando a vítima na rua. E, para diferenciar os dois, como exemplo de estelionato, o agente vai a uma loja e compra um produto com cheque falsificado de terceiro e recebe o aparelho com autorização para deixar o recinto.

Tendo feito esta diferenciação, voltemos a focar no primeiro crime, no furto mediante fraude.

Para explicar, a fraude é qualquer meio que o agente utilize para confundir, convencer e/ou distrair a vítima e cometer a ação delituosa. Seus métodos são muito variados.

Como exemplos, podemos citar a entrada de duas pessoas num estabelecimento onde haja apenas um vendedor. Enquanto um agente conversa com o vendedor, ocupando sua atenção, o outro põe produtos sob a roupa. Outro exemplo é o desligamento da rede telefônica de uma casa pelo agente, que se disfarça de funcionário da empresa telefônica para ter acesso ao local do crime com a alegação de efetuar o conserto, porém, possui a intenção de subtrair bens da vítima.

Como dito antes, existem vários modos de fraude, que podem ser utilizadas para efetuar a subtração do bem.

2.2.3.4. Escalada

Art. 155, § 4º – A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido:

II – com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza.

É considerada como escalada a via anormal de acesso ao local do crime. Como exemplos de via anormal, podemos citar a entrada pelo telhado ou chaminé, o pulo de um muro ou portão, a escavação de um túnel, etc.

Porém, para que esta qualificadora seja aplicada, a jurisprudência tem entendido que deve haver um esforço considerável por parte do agente em sua escalada ou quando este faz uso de instrumentos auxiliares, como cordas ou escadas. Na situação de, mesmo por vias anormais, o agente ingressar ao local do crime com facilidade, como pulando um pequeno muro ou passando por uma janela térrea, não há propriamente uma escalada. De outro modo, uma janela no terceiro andar de um prédio ou cavando um túnel, considera-se a qualificadora. Neste sentido, temos: “A entrada por janela é, inegavelmente, ingresso por via anormal. Assim, somente quando prove o agente ser a janela de fácil acesso, não demandando esforço para ser galgada, é que a qualificadora da escalada deixa de existir” (Tacrim-SP — Rel. Manoel Pedro — Jutacrim 26/71).

Para o caso dos crimes ocorridos por altura, como na entrada por janela ou saltando um muro, não existe uma altura definida pela jurisprudência ou pela doutrina. Os critérios usados pelos juízes para estas decisões são os mencionados no parágrafo anterior (necessidade de esforço considerável ou facilidade na transposição).

Em relação ao furto de fios elétricos no alto de postes ou túneis, existem duas correntes. Uma delas configura a qualificadora devido ao esforço de se chegar até os fios; a outra não configura, pois o objetivo do poste não é proteger os fios, o que seria um requisito da figura qualificada.

Assim como nas outras modalidades do crime, a sua tentativa é possível, como no exemplo em que o agente adentra na casa pelo telhado, mas foi imediatamente preso porque os vizinhos perceberam e acionaram a polícia.

2.2.3.5. Destreza

Art. 155, § 4º – A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido:

II – com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza.

Destreza é a habilidade física ou manual do agente que lhe permite subtrair o bem que a vítima traz consigo sem que ela perceba. É o que acontece com os batedores de carteira, ao pegar objetos nos bolsos ou nas bolsas das vítimas, como carteira, celular, dinheiro, etc.

Existem julgados que justificam esta qualificadora. Um dos exemplos é o corte de uma bolsa para furtar carteira, dinheiro ou outros bens da vítima sem que ela perceba: “É qualificado o furto pela destreza quando o agente, com especial habilidade, sem que a vítima o perceba, corta a bolsa onde são carregados os valores que subtrai” (Tacrim-SP — Rel. Dante Busana — Jutacrim 77/229).

A destreza não se confunde com audácia, que ocorre quando o agente retira a coisa da vítima sem violência, como exemplo de um batedor de carteiras que retira o celular da mão da vítima e sai correndo –

Habilidade de quem com arame ‘pesca’ a res que se encontra no display de vitrine. A qualificadora da destreza só se faz presente quando a ação recai sobre o lesado, sobre coisa sobre sua posse direta ou, pelo menos, sob sua guarda imediata e vistas, sem que ele, graças ao modus operandi, note a subtração” (Tacrim-SP — Rel. Roberto Martins — Jutacrim 54/181).

Outro modo que não configura a destreza é quando o crime é cometido sobre vítima embriagada ou dormindo:

A destreza inútil não qualifica o crime. É o caso do emprego de destreza num furto em que a vítima se encontra em estado de embriaguez completa. Há circunstâncias pessoais da vítima que exoneram a hipótese de destreza. Se ocorre estar o sujeito passivo dormindo (…), em estado de inconsciência, em se tratando de paralítico destituído de capacidade sensorial, de louco, de embriagado etc., pode o agente facilmente cometer a subtração” (Tacrim-SP — Rel. Régio Barbosa — RT 704/331).

Tais ações, como dito no início deste parágrafo, não configuram a qualificadora de destreza, e sim o caput do artigo em questão, o crime de furto simples.

Outro fato mostrado pela doutrina que não configura a qualificadora é a falta de habilidade do agente, que faz a vítima perceber sua ação. Não confundamos esta ação com a vítima perceber que está sendo furtada por outras circunstâncias, como ver a ação pelo reflexo em um vidro ou seu telefone tocar no mesmo instante, ou então com a percepção de outra pessoa que avisa a vítima. Nestes últimos exemplos, a qualificadora é aplicada.

Agente que logra rasgar a bolsa da ofendida e dali subtrai-lhe a carteira, comete furto qualificado pela destreza. Se a vítima se apercebesse da subtração, essa qualificadora não poderia ser reconhecida. Mas, se terceiro alerta a vítima, permanece a qualificadora da destreza” (Tacrim-SP — Rel. Celso Limongi — Jutacrim 96/173);

A qualidade da destreza é incompatível com o gesto grosseiro e rude do agente. Ocorre aquela quando o acusado, agindo com habilidade e sutileza subtrai algo à vítima sem que esta disso se aperceba. É o modo que, na gíria dos malviventes, se denomina punga e que não deve ser confundida com o arrebatamento de inopino, pois em tal caso não há destreza, mas audácia” (Tacrim-SP — Rel. Canguçu de Almeida — RT 582/346).

2.2.3.6. Emprego de Chave Falsa

Art. 155, § 4º – A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido:

III – com emprego de chave falsa.

Entende-se como chave falsa toda aquela que é conseguida de maneira clandestina ou qualquer instrumento, com ou sem formato de chave, que sirva para abrir uma fechadura ou dispositivo análogo sem arromba-la.

No primeiro caso, o da chave conseguida clandestinamente, falamos das hipóteses em que elas são criadas sem o conhecimento e a autorização da vítima. Por mais que uma chave seja uma cópia da outra, se a vítima não autorizou que se fizesse a mesma, ela será clandestina, e seu uso para a subtração de bens qualifica o crime.

No segundo caso, qualquer instrumento usado pode ser considerado como chave falsa, como um clipe de papel, grampo de cabelo, mixa, etc.

Existem algumas situações em que não há o entendimento de ser uma chave falsa, como na perda de uma chave verdadeira pelo dono, e alguém a encontra, ou então da chave mestra utilizada pela camareira, que abre todos os quartos do hotel. Neste caso, havendo o furto, este será um furto simples.

Outra situação é quando alguém consegue a chave verdadeira mediante fraude, e a usa para furtar a casa. Neste caso, a qualificadora de chave falsa é completamente descartada, porém haverá a qualificadora de furto mediante fraude.

2.2.3.7. Concurso de Agentes

Art. 155, § 4º – A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido:

IV – mediante concurso de duas ou mais pessoas.

Como o tipo penal diz, a qualificadora incide sobre o crime cometido por duas ou mais pessoas, independente da idade dos agentes ou da identificação ou não dos mesmos; basta-se provar que havia mais de uma pessoa na prática do crime.

 

2.2.3.8. Transporte de Veículo para outro Estado ou País

Art. 155,

§ 5º – A pena é de reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos, se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior.

Parágrafo inserido pela Lei nº 9.426/96, trata de qualquer veículo automotor que seja furtado e transportado, seja por caminhão “cegonheira”, seja conduzido pelo agente ou outrem, para outro estado da federação ou que ultrapasse os limites do país.

Diferente das outras qualificadoras, esta disposição não trata do meio de execução do crime, e sim de resultado posterior.

2.3. Análise do Furto

2.3.1. Elemento Subjetivo

O elemento subjetivo deste crime é fim de assenhoramento definitivo, ou seja, o agente subtrai o bem para si ou para outrem com a intenção de não devolver à vítima. Deste modo, se houver a intenção de usá-la momentaneamente e devolvê-la logo após o uso para seu dono, ocorrerá o furto de uso, que será falado mais a frente.

2.3.2. Sujeito Ativo

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, desde que o bem não seja do próprio autor, visto que o tipo penal já diz claramente: Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel.”

Deste modo, se uma pessoa possui um bem e, por algum motivo, pensa que o perdeu, porém um amigo do trabalho o encontra e tem intenção de devolvê-lo e resolvendo, neste tempo, “pregar uma peça” nele colocando-a na sua mesa do trabalho para que o outro resolva afaná-lo, e ele realmente o faz, ficando com a consciência pesada achando que cometeu o crime, ele não o cometeu, pois o bem já era dele mesmo, o que ocorre é o que a doutrina chama de crime putativo, que não passa de um crime imaginário.

Se ocorrer de alguém que se apossa e leva embora o bem de outrem pensando que seja seu por eles serem parecidos, ocorre uma hipótese de erro de tipo, não respondendo, então, pelo crime de furto por não haver dolo em sua ação.

Desta forma, o crime de furto é classificado como crime comum e unipessoal, visto que pode ser praticado por qualquer agente e não é necessário o concurso de agentes, mesmo isto sendo possível, para a consumação do crime.

2.3.3. Sujeito Passivo

Normalmente, a vítima do crime de furto é o dono do bem subtraído ou quem possui a posse, legítima ou ilegítima do bem. Além deste, pode ser também que sofre prejuízo financeiro, podendo ser exemplificado por um patrão que entrega dinheiro a empregado para que efetue um pagamento, e, no interior de um ônibus, um ladrão consegue surrupiar esta quantia, resultando no prejuízo financeiro do patrão, e não do empregado.

Para o possuidor ilegítimo, podemos citar a situação de ladrão que furta ladrão: um ladrão que já subtraiu a res de um possuidor legítimo tem a coisa subtraída por outro ladrão, também sofre furto, pois a coisa, independente da legitimidade, a coisa era alheia ao último.

2.3.4. Consumação e Tentativa

A consumação do furto ocorre quando há a posse tranquila por parte do ladrão, ou seja, quando ele consegue retirar o bem da esfera de vigilância da vítima e não há uma perseguição imediata e ininterrupta a fim de recuperar o bem.

Como exemplo, citemos a situação de um ladrão quebrar o vidro de um carro para tomar o toca-CD, o qual é preso logo após quebrar o vidro. Neste caso, houve o crime tentado, pois ele nem conseguiu inverter a posse do bem. Outra situação: Ele consegue retirar o toca-CD do painel, mas é preso ainda dentro do carro; neste caso, há também a tentativa, pois não houve a inversão tranquila da posse. Mais uma: Ele retira o toca-CD do carro, e no exato momento em que vai se afastar do veículo, policiais o veem e iniciam uma perseguição, até pegá-lo. Se esta perseguição foi imediata e ininterrupta, o furto foi tentado, porém, se teve algum momento em que ele conseguiu despistar os policiais e ficou assim por alguns minutos, sem que os policiais soubessem onde ele estava, o crime é considerado consumado, por mais que ele seja reencontrado mais tarde e preso, pois houve a posse tranquila durante esse tempo em que os policiais não sabiam onde o agente estava.

Para que a posse do agente seja tranquila e ele consiga despistar seus perseguidores, eles não podem, por exemplo, vê-lo entrar em uma casa e aguardar a chegada de mais policiais para montar um cerco e pegá-lo. O ladrão ficará tranquilo, talvez pensando que conseguiu se esconder dos policiais, porém, em momento algum eles foram despistados, apenas estão aguardando o momento ideal para que sejam bem sucedidos em prender o malfeitor.

2.3.5. Forma e Subsistência

O furto é classificado como um crime de forma livre, ou seja, não existe circunstância específica para que ocorra, bastando que se cumpra o requisito de subtrair coisa alheia móvel.

Também é classificado como forma plurissubsistente, pois é necessário realizar mais de uma ação, a de subtrair coisa alheia móvel e a de o agente ter a posse tranquila do bem para que haja a consumação, fazendo com que exista a possibilidade de ocorrer o crime tentado.

2.3.6. Ação Penal

A ação penal do furto é pública e incondicionada, o que significa que o ministério público deverá propor a ação penal independente da manifestação de vontade do ofendido.

2.4. Furto de Coisa Comum

Art. 156 – Subtrair o condômino, co-herdeiro ou sócio, para si ou para outrem, a quem legitimamente a detém, a coisa comum:

Pena – detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.

É um crime parecido com o especificado no art. 155 do CP, porém o bem não é completamente alheio, ou seja, sua propriedade é compartilhada com outro.

Por serem parecidos, o modo de consumação é o mesmo, diferenciando-se apenas do outro em sua ação penal e no agente ativo.

2.4.1. Agente Ativo

O agente ativo, nesta modalidade de furto, é um dos donos da coisa, porém a posse do bem se encontra com o condômino, co-herdeiro ou sócio. Para exemplificar esta situação, podemos colocar a compra de um automóvel por dois amigos, que estipularam que ele ficará nas mãos de um deles, e quando quitarem as prestações, comprarão um outro de igual valor para o outro amigo. Se o amigo que não possuir a posse do automóvel o pegar sem a ciência e autorização do possuidor, esta conduta caracterizará o furto comum.

2.4.2. Ação Penal

Art. 156,

§ 1º – Somente se procede mediante representação.

A ação penal deste crime, como diz a letra da lei supracitada, é uma ação pública condicionada, ou seja, o ministério público entrará com a ação mediante representação do ofendido. Utilizando do exemplo anterior, o amigo que tinha a posse do automóvel deverá representar o furto para que o ministério público possa trabalhar este caso.

2.4.3. Exclusão do Crime

Art. 156,

§ 2º – Não é punível a subtração de coisa comum fungível, cujo valor não excede a quota a que tem direito o agente.

Quando o agente toma a parte que lhe é de direito de coisa fungível, ou seja, que pode ser substituída, este não comete o crime em questão.

Para ficar mais claro, vamos utilizar o exemplo de uma herança, deixada em dinheiro para dois filhos (co-herdeiros). Um dos filhos retira uma quantia que ele diz ser referente a ele antes mesmo que se tenha feito o inventário; se for provado mais a frente que esta quantia era realmente destinada a ele, não haverá o furto comum.

3. Do Roubo

Essa figura criminosa abrange as formas própria e imprópria, e serão explicados a seguir.

3.1. Roubo Próprio e Roubo Impróprio

Roubo Próprio: Art. 157 – Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência.

Roubo Impróprio: § 1º – Na mesma pena incorre quem, logo depois de subtraída a coisa, emprega violência contra pessoa ou grave ameaça, a fim de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para terceiro.

A grande diferença do roubo próprio para o impróprio é a aplicação da violência ou ameaça. No próprio, a violência ou ameaça será realizada antes ou durante o ato da subtração, enquanto na forma imprópria, haverá sua aplicação depois do ato, a fim de garantir a detenção ou bem ou a impunibilidade do agente.

3.2. Interpretação do Roubo

O tipo penal do roubo tem seu início parecido com o do furto (Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem), portanto, nestes pontos, eles são interpretados do mesmo modo.

Ao se falar em grave ameaça, falamos na promessa de mal grave e iminente no próprio dono do bem ou em terceiro (parente, amigo, etc.). Pode ser promessa de morte, lesão ou qualquer outra coisa que invada a privacidade da vítima.

Por violência entende-se o emprego de força física ou ato agressivo contra a vítima, como no ato de agarrar ou abraçar a vítima para imobilizá-la e subtrair seus pertences.

Redução à impossibilidade de resistência é uma forma genérica cuja finalidade é permitir a tipificação do roubo em hipóteses em que o agente subjuga a vítima antes de efetuar a subtração, porém sem empregar violência física ou grave ameaça. O exemplo típico desta forma de roubo é o famoso golpe “boa noite, cinderela”, que consiste em o agente colocar sonífero na bebida da vítima, a fim de deixá-la em situação de inconsciência para que se faça a subtração de seus bens. Esta forma de execução do roubo é conhecida também por violência imprópria.

3.3. Causas de Aumento de Pena

O tipo penal estabelece cinco causas de aumento de pena, de um terço até a metade da pena base, que é de quatro a dez anos de reclusão e multa, aplicáveis ao roubo próprio ou impróprio.

3.3.1. Emprego de Arma

Art. 157,

§ 2º – A pena aumenta-se de um terço até metade:

I – se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma.

Pode ser considerado arma qualquer objeto que tenha potencialidade lesiva, mesmo que não tenha sua finalidade como arma. Como o texto legal não faz qualquer restrição, para a configuração desta causa de aumento de pena o emprego de armas próprias (que têm a finalidade de ataque ou defesa – espada, punhal, revolver, etc.) e impróprias (não possuem esta finalidade, porém possuem capacidade de matar ou ferir – faca de cozinha, martelo, etc.).

Para haver o efetivo emprego da arma, será necessário que ela seja, ao menos, mostrada à vítima. Deste modo: “Sem exibição não existe emprego de arma. Se a arma, quer falsa ou verdadeira, não for exibida, não se pode falar em qualificadora do emprego de arma em delito de roubo” (Tacrim-SP – Rel. Fortes Barbosa – Jutacrim 90/266).

Porém, para que se possa inferir esta forma de aumento de pena é necessário o uso real de arma de poder lesivo. A simulação de arma em que o agente, de fato, não utilize nenhuma, não constitui o aumento.

O uso de arma de brinquedo, arma quebrada ou desmuniciada também não constitui o aumento de pena, visto que a arma não possui poder lesivo.

3.3.2. Concurso de Agentes

Art. 157,

§ 2º – A pena aumenta-se de um terço até metade:

II – se há o concurso de duas ou mais pessoas.

Este aumento de pena é aplicado do mesmo modo que no furto qualificado pelo concurso de agentes (art. 155, §4º, IV, do CP).

O aumento é aplicável mesmo que o juiz condene apenas uma sentença, desde que seja provado que houve o envolvimento de outra que não pode ser punida, como um menor, alguém que já faleceu ou que fugiu e não pôde ser identificada, etc.

3.3.3. Vítima em Serviço de Transporte de Valores

Art. 157,

§ 2º – A pena aumenta-se de um terço até metade:

III – se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhece tal circunstância.

Como o texto legal já diz, deve haver o serviço de transporte de valores, e o conhecimento do agente deste transporte. Como valores, entendem-se dinheiro e joias.

A doutrina interpretou “vítima em serviço de transporte de valores” no sentido de que o aumento só atenderá às vítimas transportando valores em via pública a trabalho, e não para fins particulares. Deste modo, não serão beneficiadas as vítimas que estavam transportando alta quantia para o banco, a fim de pagar um carro que comprou. Por outro lado, existe o aumento quando o roubo é praticado a carro-forte, a motoristas  de veículos que transportam joias, ou atém mesmo a motoboys que carregam valores para depósitos e pagamentos bancários.

Não se confunde com transportador de valores o taxista, que, mesmo que o faça, tem a intenção de trabalhar, e o transporte de dinheiro é consequência de seu trabalho.

3.3.4. Transporte de Veículo Roubado para outro Estado ou País

Art. 157,

§ 2º – A pena aumenta-se de um terço até metade:

IV – se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior.

A aplicação desta modalidade de aumento da pena é semelhante a do furto qualificado (art. 155, §5º, do CP), diferenciando-se apenas que neste caso se trata de roubo, e não furto.

3.3.5. Restrição da Liberdade da Vítima

Art. 157,

§ 2º – A pena aumenta-se de um terço até metade:

V – se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade.

Ao se tratar de restrição de liberdade, não se fala em sequestro, visto que a primeira ação tem duração de alguns minutos, e a outra, possui um tempo juridicamente relevante.

Podemos citar como exemplo de roubo com restrição de liberdade a situação do agente roubar o carro da vítima, mantê-la consigo durante um tempo enquanto no trânsito, e, ao alcançar uma via de alta velocidade, solta a vítima, entendendo-se que o motivo da restrição da vítima foi para que não houvesse a possibilidade da vítima contatar a polícia e, por estar no trânsito mais intenso, haver a prisão do agente.

Por outro lado, quando os agentes roubam um caminhão, prosseguem para um galpão para descarrega-lo mantendo o motorista consigo enquanto passam horas descarregando  as mercadorias do veículo para somente após isso levarem o motorista a outro local e o soltarem, configuram-se o crime de roubo próprio sem a causa de aumento de pena em concurso material com o crime de sequestro (art. 148, do CP). É entendido o concurso material dos dois crimes porque os agentes permaneceram com a vítima após a consumação do crime de roubo, de modo que a provação da liberdade posterior é entendida como nova ação.

3.4. Roubo Qualificado

Art. 157,

§ 3º Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de sete a quinze anos, além da multa; se resulta morte, a reclusão é de vinte a trinta anos, sem prejuízo da multa.

Estamos diante, agora, de uma modalidade diferente do crime de roubo, quando há lesão corporal grave ou morte da vítima ou de terceiros, devido a ação do roubo. Desta forma, ingressamos em pena diferente da prevista no caput do artigo que trata do roubo, caracterizando a qualificadora.

As qualificadoras compreendem o roubo próprio e impróprio, afastando a possibilidade de aplicação das causas de aumento de pena do § 2º, entendimento justificado pelo fato de as penas em abstrato das formas qualificadas serem muito maiores, além da intenção do legislador de restringi-las às figuras simples do roubo que a antecedem.

3.4.1. Roubo Seguido de Lesão Grave

Art. 157,

§ 3º Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de sete a quinze anos, além da multa.

As lesões graves são demonstradas no art. 129, §§ 1º e 2º, do Código Penal. As lesões corporais leves são absorvidas pelo crime do roubo, já que o texto legal não menciona como forma qualificada ou ressalva sua autonomia, como ocorre em outros delitos.

As formas demonstradas no art. 129 são: Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias, perigo de vida, debilidade permanente de membro, sentido ou função, aceleração de parto, incapacidade permanente para o trabalho, enfermidade incurável, perda ou inutilização do membro, sentido ou função, deformidade permanente e aborto.

3.4.2. Roubo Seguido de Morte (Latrocínio)

Art. 157,

§ 3º Se resulta morte, a reclusão é de vinte a trinta anos, sem prejuízo da multa.

É a figura conhecida como latrocínio, dada quando o agente provoca a morte da vítima ou de terceiro durante o roubo.

3.5. Análise do Roubo

3.5.1. Elemento Subjetivo

Assim como no furto, o elemento subjetivo do roubo é doloso, visto que a intenção do agente é o assenhoramento definitivo do bem para si ou para outrem. As únicas partes do crime que podem ser consideradas culposas são as formas qualificadas, onde ocorrem a lesão grave ou a morte da vítima ou outrem. Ocorrendo este fenômeno, o crime será considerado preterdoloso, uma vez que houve o roubo de forma dolosa e a qualificadora de forma culposa.

3.5.2. Sujeito Ativo

Pode ser qualquer pessoa, tratando-se assim de crime comum. A única exceção é que a coisa não pode pertencer ao próprio sujeito, já que o tipo penal prevê que a coisa deverá ser alheia.

Diferente do furto, não existe uma forma específica que atenue a pena, chamada de furto comum. No roubo, ocorrendo situações semelhantes a este crime, ocorrerá o delito do art. 157, do CP.

Admite-se para o roubo a coautoria e a participação, independente de todos os envolvidos serem imputáveis, ou que tenham cometido os atos de execução. Deste modo, podemos ter um agente que emprega a violência para derrubar a vítima e um comparsa que, se aproveitando desta possibilidade criada, coloca a mão no bolso da vítima e lhe tira a carteira.

Desta forma, o roubo é classificado como crime comum e unipessoal, visto que pode ser praticado por qualquer agente e não é necessário o concurso de agentes, mesmo isto sendo possível, para a consumação do crime.

3.5.3. Sujeito Passivo

É considerado como sujeito passivo, o proprietário, possuidor ou detentor do bem, que sofra prejuízo econômico, e também todos aqueles que sofram a violência e grave ameaça, mesmo que não tenham prejuízo patrimonial. Deste modo, por se tratar de um crime complexo, podemos ter várias vítimas em um só roubo: João e Maria estão dentro de um automóvel, quando param em um sinal e os roubadores os ameaçam e levam apenas o carro. Nesta hipótese, houve apenas um crime com dois sujeitos passivos, pois somente um patrimônio foi lesado.

Em compensação, se em um ônibus com quinze passageiros, um roubador entra e ameaça a todos, levando o dinheiro e as joias de cada um, houve quinze roubos, já que houve quinze patrimônios diferentes envolvidos.

3.5.4. Consumação e Tentativa

Aqui teremos formas diferentes em relação às formas de roubo que falaremos.

Comecemos pelo roubo próprio. A consumação do roubo próprio é, atualmente, dada no momento em que o agente se apossa do bem da vítima, uma vez que, após se aplicar a violência ou grave ameaça, a posse já é tranquila. Deste modo:

“Roubo consumado e tentado. Sobre a matéria, a mais recente jurisprudência do STF, firmada no julgamento e plenário do RE n. 102.490-9/SP, a 17.09.1987, é no sentido de que o roubo se consuma no instante em que o ladrão se torna possuidor da coisa móvel alheia subtraída mediante grave ameaça ou violência, não se fazendo necessário para que o agente se torne possuidor saia ele da esfera de vigilância do antigo possuidor” (STF – Ver. Crim. 4.821-5/SP – Pleno – Rel. Ministro Néri da Silveira – DJ 11.10.1991).

Já a tentativa deste crime é dada quando o agente emprega a violência ou a grave ameaça e não consegue se apoderar dos bens visados por motivos alheios a sua vontade.

No roubo impróprio, a consumação ocorre no momento em que é empregada a violência ou grave ameaça contra a vítima, ainda que o agente não atinja sua finalidade de garantir a impunidade ou a detenção do bem. O STF concorda com esta afirmação:

“Roubo impróprio. Consumação. No roubo, quando a violência é subsequente à subtração, o momento consumativo é o emprego da violência” (STF – Rec. Crim. 4.752-9/SP – Rel. Ministro Sydney Sanches – DJ 18.12.1987, p. 29.137).

Devemos lembrar que violência é todo golpe desferido contra a vítima e não apenas aqueles que a atingirem, portanto, se a vítima se esquivar dos golpes do agente, não sendo, assim, atingidas, haverá a consumação do roubo impróprio.

A tentativa desta modalidade de roubo é inexistente de acordo com a principal corrente das doutrinas e da jurisprudência:

“(…) não há falar-se em tentativa: ou a violência é empregada, e tem-se a consumação, ou não é empregada, e o que se apresenta é o crime de tentativa de furto” (Nélson Hungria).

Este também é o entendimento de Magalhães Noronha e Damásio de Jesus.

Em termos jurisprudenciais, temos:

“Roubo imprórpio. Consuma-se com o uso da violência imediata, visando assegurar a impunidade do crime. Não há que se falar em tentativa. Inteligência do § 1º, do art. 157 do Código Penal. Dissídio jurisprudencial. Recurso extraordinário conhecido e provido, para condenar-se o réu como incurso no art. 157, § 1º, do Código Penal” (STF – Re 102.391/SP – 2ª Turma – Rel. Ministro Djaci Falcão – DJ 10.08.1984, p. 12.452).

Já nas formas qualificadas, temos a consumação do crime (roubo seguido de lesão corporal grave e latrocínio) quando ocorre o roubo e, independente de culpa ou dolo, a forma qualificadora.

Deste modo, teremos:

a)                 O agente emprega violência contra a vítima querendo causar lesão grave e efetivamente o faz. Houve a consumação do roubo seguido de lesão grave;

b)                 O agente emprega violência contra a vítima sem intenção de causar lesão grave, porém a causa, culposamente. Houve a consumação do roubo seguido de lesão grave, deste modo, preterdolosamente;

c)                  O agente emprega violência contra a vítima querendo matá-la, e efetivamente o faz. Houve o latrocínio;

d)                 O agente emprega a violência contra a vítima sem a intenção de matá-la, porém produz o resultado. Houve o crime de latrocínio. Exemplo: o agente amordaça a vítima, causando, sem querer, asfixia;

e)                 O agente emprega violência contra a vítima com a intenção de matá-la, porém não consegue este fim. Houve a tentativa do latrocínio, mesmo a vítima sofra lesão corporal grave. Exemplo: o agente dá um tiro na cabeça da vítima, e esta, milagrosamente, sobrevive.

Cabe salientar que se houver mais de uma vítima no crime de latrocínio, se o bem patrimonial for apenas um, ocorrerá apenas um latrocínio, tendo em vista que este crime não tem como objeto jurídico a vida, e sim o patrimônio.

3.5.5. Forma e Subsistência

O roubo é classificado como um crime de forma livre, ou seja, não existe circunstância específica para que ocorra, bastando que se cumpra o requisito de subtrair coisa alheia móvel com o emprego de violência ou grave ameaça, ou que se impossibilite a resistência da vítima.

Também é classificado como forma plurissubsistente, pois é necessário realizar mais de uma ação, a de subtrair coisa alheia móvel e a de violência ou grave ameaça do bem para que haja a consumação, fazendo com que exista a possibilidade de ocorrer o crime tentado.

3.5.6. Ação Penal

A ação penal do roubo, assim como do furto é pública e incondicionada, o que significa que o ministério público deverá propor a ação penal independente da manifestação de vontade do ofendido.

4. Conclusão

De acordo com o exposto acima, temos que o furto é um crime em que há a inversão da posse do bem da vítima sem a aplicação de nenhuma forma de violência, enquanto que no roubo, haverá o emprego da violência, da grave ameaça, ou de qualquer outro meio que reduza a possibilidade de reação da vítima. Deste modo, com este pequeno resumo dos dois crimes, poderemos diferenciá-los numa situação prática.

Marcelo Perret Marcelo Perret (102 Posts)

Advogado especializado em Direito Tributário e Processo Tributário pela Escola Paulista de Direito (EPD). Atuante também na esfera do Direito Civil, imobiliário e inventários

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  1. Lucas Andrade
    Lucas Andrade
    6, julho, 2015 em 19:26 | #1

    Boa Noite,

    Gostaria de saber se o simples fato de uma pessoa em que divide apartamento pegar um ex. macarrão ou sal, oléo.. e ficar utilizando sem consentimento já pode ser considerado roubo. Além de você só descobrir pelo fato de dar uma indireta e a pessoa ainda ficar revoltada por estar insinuando que está acontecendo algo… e a pessoa acabar confessando que pegou e depois fica querendo devolver.. mais pegou sem pedir e sem autorização.. Como sempre me ensinaram, se não é seu não pegue, primeiro peça e jamais pegue o que não é seu.. Acho que de uma ação como essa vem muitas outras.. Aguardo alguém me ajudar.

    • 16, julho, 2015 em 00:37 | #2

      Amigo, dificilmente você iria conseguir comprovar isto na justiça, ou mesmo que comprove enormes a chance de ser considerados de pequena monta e arquivado o processo.
      Vale mais a pena pensar em mudar de apartamento.

  2. Stéfany
    Stéfany
    9, março, 2015 em 15:21 | #3

    Artigo de fácil compreensão. Está dando de 10 em muitos doutrinadores.Parabéns!

  3. Sinésio Caetano
    Sinésio Caetano
    29, outubro, 2014 em 19:00 | #4

    Tudo bem,você arrebentou,parabéns! Aprendi muito com seu artigo.

  4. andrey
    andrey
    13, julho, 2014 em 20:47 | #5

    ótimo artigo =)

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